O menino que carregava água na peneira - Manoel de Barros.


O menino que carregava água na peneira
Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira. 

A mãe disse que carregar água na peneira 
era o mesmo que roubar um vento e 
sair correndo com ele para mostrar aos irmãos. 

A mãe disse que era o mesmo 
que catar espinhos na água. 
O mesmo que criar peixes no bolso. 

O menino era ligado em despropósitos. 
Quis montar os alicerces 
de uma casa sobre orvalhos. 

A mãe reparou que o menino 
gostava mais do vazio, do que do cheio. 
Falava que vazios são maiores e até infinitos. 

Com o tempo aquele menino 
que era cismado e esquisito, 
porque gostava de carregar água na peneira. 

Com o tempo descobriu que 
escrever seria o mesmo 
que carregar água na peneira. 

No escrever o menino viu 
que era capaz de ser noviça, 
monge ou mendigo ao mesmo tempo. 

O menino aprendeu a usar as palavras. 
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras. 
E começou a fazer peraltagens. 

Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios. 
Até fez uma pedra dar flor. 

A mãe reparava o menino com ternura. 
A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta! 
Você vai carregar água na peneira a vida toda. 

Você vai encher os vazios 
com as suas peraltagens, 
e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos! 

Manoel de Barros.

Comentários

Favoritas

Não te apaixones por uma mulher que lê - Martha Rivera Garrido.

Somos assim. Sonhamos o voo - Rubem Alves.

Quando encontrar alguém - Carlos Drummond de Andrade

As noites em que você luta melhor - Charles Bukowski.

O amor que move o sol e as estrelas. Amar se aprende amando - Carlos Drummond de Andrade.

Quem sabe, um dia, eu em mim, colha um jardim? - Mia Couto.

Eternidade - Guimarães Rosa.

Se for possível, manda-me dizer - Hilda Hilst.

Nem tudo é dias de sol - Fernando Pessoa.