Quem sabe, um dia, eu em mim, colha um jardim? - Mia Couto.


Não aprendi a colher a flor
 sem esfacelar as pétalas.
 Falta-me o dedo menino
 de quem costura desfiladeiros.
 Criança, eu sabia
 suspender o tempo,
 soterrar abismos
 e nomear as estrelas.
 Cresci,
 perdi pontes,
 esqueci sortilégios.
 Careço da habilidade da onda,
 hei-de aprender a carícia da brisa.
 Trémula, a haste
 me pede
 o adiar da noite.
 Em véspera da dádiva,
 a faca me recorda, no gume do beijo,
 a aresta do adeus.
 Não, não aprenderei
 nunca a decepar flores.
 Quem sabe, um dia,
 eu, em mim, colha um jardim?

 Mia Couto.

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