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Mostrando postagens de março, 2015

As gaivotas, tantas, tantas - Fernando Pessoa.

As gaivotas, tantas, tantas, Voam no rio pró mar... Também sem querer encantas, Nem é preciso voar.  Fernando Pessoa.

Sorriso audível das folhas - Fernando Pessoa.

Sorriso audível das folhas, Não és mais que a brisa ali. Se eu te olho e tu me olhas, Quem primeiro é que sorri? O primeiro a sorrir ri. Ri e olha de repente, Para fins de não olhar, Para onde nas folhas sente O som do vento a passar. Tudo é vento e disfarçar. Mas o olhar, de estar olhando Onde não olha, voltou; E estamos os dois falando O que se não conversou. Isto acaba ou começou? Fernando Pessoa.

Flor que não dura - Fernando Pessoa.

Flor que não dura Mais do que a sombra dum momento  Tua frescura  Persiste no meu pensamento. Não te perdi  No que sou eu,  Só nunca mais, ó flor, te vi  Onde não sou senão a terra e o céu. Fernando Pessoa.

As vezes em sonho triste - Fernando Pessoa.

Às vezes, em sonho triste Nos meus desejos existe Longinquamente um país  Onde ser feliz consiste  Apenas em ser feliz.  Vive-se como se nasce  Sem o querer nem saber.  Nessa ilusão de viver  O tempo morre e renasce  Sem que o sintamos correr.  O sentir e o desejar  São banidos dessa terra.  O amor não é amor  Nesse país por onde erra  Meu longínquo divagar.  Nem se sonha nem se vive:  É uma infância sem fim.  Parece que se revive  Tão suave é viver assim  Nesse impossível jardim.  Fernando Pessoa.

Quando estou só reconheço - Fernando Pessoa.

Quando estou só reconheço Se por momentos me esqueço Que existo entre outros que são Como eu sós, salvo que estão Alheados desde o começo. E se sinto quanto estou Verdadeiramente só, Sinto-me livre mas triste. Vou livre para onde vou, Mas onde vou nada existe. Creio contudo que a vida Devidamente entendida É toda assim, toda assim. Por isso passo por mim Como por coisa esquecida. Fernando Pessoa.

Dá a surpresa de ser - Fernando Pessoa.

Dá a surpresa de ser. É alta, de um louro escuro.  Faz bem só pensar em ver  Seu corpo meio maduro. Seus seios altos parecem (Se ela estivesse deitada) Dois montinhos que amanhecem Sem ter que haver madrugada. E a mão do seu braço branco  Assenta em palmo espalhado Sobre a saliência do flanco Do seu relevo tapado. Apetece como um barco.  Tem qualquer coisa de gomo. Meu Deus, quando é que eu embarco? Ó fome, quando é que eu como? Fernando pessoa.

O amor quando se revela - Fernando Pessoa.

O amor, quando se revela,  Não se sabe revelar.  Sabe bem olhar p'ra ela,  Mas não lhe sabe falar.  Quem quer dizer o que sente  Não sabe o que há de dizer.  Fala: parece que mente...  Cala: parece esquecer...  Ah, mas se ela adivinhasse,  Se pudesse ouvir o olhar,  E se um olhar lhe bastasse  Pr'a saber que a estão a amar!  Mas quem sente muito, cala;  Quem quer dizer quanto sente  Fica sem alma nem fala,  Fica só, inteiramente!  Mas se isto puder contar-lhe  O que não lhe ouso contar,  Já não terei que falar-lhe  Porque lhe estou a falar...  Fernando pessoa.

Ó sino da minha aldeia - Fernando Pessoa.

Ó sino da minha aldeia, Dolente na tarde calma, Cada tua badalada Soa dentro de minha alma.  E é tão lento o teu soar,  Tão como triste da vida,  Que já a primeira pancada  Tem o som de repetida.  Por mais que me tanjas perto  Quando passo, sempre errante,  És para mim como um sonho.  Soas-me na alma distante.  A cada pancada tua,  Vibrante no céu aberto,  Sinto mais longe o passado,  Sinto a saudade mais perto.  Fernando Pessoa. 

Amanhã sol e razão - Fernando Pessoa.

Hoje estou triste, estou triste. Estarei alegre amanhã... O que se sente consiste Sempre em qualquer coisa vã. Ou chuva, ou sol, ou preguiça... Tudo influi, tudo transforma... A alma não tem justiça, A sensação não tem forma. Uma verdade por dia... Um mundo por sensação... Estou triste. A tarde está fria. Amanhã, sol e razão. Fernando Pessoa.

E sê rei de ti próprio - Fernando Pessoa.

Não tenhas nada nas mãos  Nem uma memória na alma, Que quando te puserem  Nas mãos o óbolo último,  Ao abrirem-te as mãos  Nada te cairá.  Que trono te querem dar  Que Átropos to não tire?  Que louros que não fanem  Nos arbítrios de Minos?  Que horas que te não tornem  Da estatura da sombra  Que serás quando fores  Na noite e ao fim da estrada.  Colhe as flores mas larga-as,  Das mãos mal as olhaste.  Senta-te ao sol. Abdica  E sê rei de ti próprio.  Ricardo Reis - Heterônimo de Fernando Pessoa.

Mesmo que os meus versos nunca sejam impressos - Fernando Pessoa.

Se eu morrer novo, sem poder publicar livro nenhum Sem ver a cara que têm os meus versos em letra impressa, Peço que, se se quiserem ralar por minha causa, Que não se ralem. Se assim aconteceu, assim está certo. Mesmo que os meus versos nunca sejam impressos, Eles lá terão a sua beleza, se forem belos. Mas eles não podem ser belos e ficar por imprimir, Porque as raízes podem estar debaixo da terra Mas as flores florescem ao ar livre e à vista. Tem que ser assim por força. Nada o pode impedir. Se eu morrer muito novo, oiçam isto: Nunca fui senão uma criança que brincava. Fui gentio como o sol e a água, De uma religião universal que só os homens não têm. Fui feliz porque não pedi cousa nenhuma, Nem procurei achar nada, Nem achei que houvesse mais explicação Que a palavra explicação não ter sentido nenhum. Não desejei senão estar ao sol ou à chuva Ao sol quando havia sol E à chuva quando estava chovendo (E nunca a outra cousa), Sentir calor e frio e vento, E não ir mais longe. Uma vez

Hoje de manhã saí muito cedo - Fernando Pessoa.

Hoje de manhã saí muito cedo,  Por ter acordado ainda mais cedo  E não ter nada que quisesse fazer...  Não sabia por caminho tomar  Mas o vento soprava forte, varria para um lado,  E segui o caminho para onde o vento me soprava nas costas.  Assim tem sido sempre a minha vida, e  Assim quero que possa ser sempre —  Vou onde o vento me leva e não me  Sinto pensar.  Alberto Caeiro - Heterônimo de Fernando Pessoa.

Como te amo - Fernando Pessoa.

Como Te Amo Como te amo? Não sei de quantos modos vários Eu te adoro, mulher de olhos azuis e castos; Amo-te com o fervor dos meus sentidos gastos;  Amo-te com o fervor dos meus preitos diários.  É puro o meu amor, como os puros sacrários;  É nobre o meu amor, como os mais nobres fastos;  É grande como os mares altisonos e vastos;  É suave como o odor de lírios solitários.  Amor que rompe enfim os laços crus do Ser;  Um tão singelo amor, que aumenta na ventura;  Um amor tão leal que aumenta no sofrer;  Amor de tal feição que se na vida escura  É tão grande e nas mais vis ânsias do viver,  Muito maior será na paz da sepultura!  Fernando Pessoa.

Dorme enquanto eu velo - Fernando Pessoa.

Dorme enquanto eu velo...  Deixa-me sonhar...  Nada em mim é risonho.  Quero-te para sonho,  Não para te amar.  A tua carne calma  É fria em meu querer.  Os meus desejos são cansaços.  Nem quero ter nos braços  Meu sonho do teu ser.  Dorme, dorme, dorme,  Vaga em teu sorrir...  Sonho-te tão atento  Que o sonho é encantamento  E eu sonho sem sentir.  Fernando Pessoa.