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Mostrando postagens de junho, 2016

Sentir tudo de todas as maneiras - Fernando Pessoa.

Sentir tudo de todas as maneiras,  viver tudo de todos os lados,  ser a mesma coisa de todos os modos possíveis  ao mesmo tempo,  realizar em si toda a humanidade de todos os momentos. Álvaro de Campos - Heterônimo de Fernando Pessoa.

Sou um evadido - Fernando Pessoa.

Sou um evadido. Logo que nasci Fecharam-me em mim, Ah, mas eu fugi. Se a gente se cansa Do mesmo lugar, Do mesmo ser Por que não se cansar? Minha alma procura-me Mas eu ando a monte, Oxalá que ela Nunca me encontre. Ser um é cadeia, Ser eu não é ser. Viverei fugindo Mas vivo a valer. Fernando Pessoa.

Dá-me, um sorriso ao domingo - Fernando Pessoa.

Dá-me, um sorriso ao domingo, Para à segunda eu lembrar. Bem sabes: sempre te sigo E não é preciso andar. Fernando Pessoa.

Se Deus é a natureza - Fernando Pessoa.

"Mas se Deus é as flores e as árvores  E os montes e sol e o luar, Então acredito nele. Então acredito nele a toda a hora,  E a minha vida é toda uma oração e uma missa,  E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos."  Fernando Pessoa - O Guardador de Rebanhos.

Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir - Fernando Pessoa.

Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto {…} De resto, com que posso contar comigo? Uma acuidade horrível das sensações, e a compreensão profunda de estar sentindo…Uma inteligência aguda para me destruir, e um poder de sonho sôfrego de me entreter… Fernando Pessoa.

A minha vida é como se me batessem com ela - Fernando Pessoa.

A minha vida é como se me batessem com ela. A solidão desola-me; a companhia oprime-me. A presença de outra pessoa desencaminha-me os pensamentos; sonho a sua presença com uma distração especial, que toda a minha atenção analítica não consegue definir. (...) Correr riscos reais, além de me apavorar, não é por medo que eu sinta excessivamente - perturba-me a perfeita atenção às minhas sensações, o que me incomoda e despersonaliza. (...) E não sei o que sinto, não sei o que quero sentir, não sei o que penso nem o que sou. (...) Não há sossego - e, ai de mim!, nem sequer há desejo de o ter. Bernardo Soares - Heterônimo de Fernando Pessoa.  Livro do desassossego.

Toda poesia reflete o que a alma não tem - Fernando Pessoa.

Toda a poesia - e a canção é uma poesia ajudada - reflete o que a alma não tem. Por isso a canção dos povos tristes é alegre e a canção dos povos alegres é triste. Fernando Pessoa.

Todos somos iguais na capacidade para o erro e para o sofrimento - Fernando Pessoa.

“Todos somos iguais na capacidade para o erro e para o sofrimento. Só não passa quem não sente; e os mais altos, os mais nobres, os mais previdentes, são os que vêm a passar e a sofrer do que previam e do que desdenhavam. É a isto que se chama a Vida.” Fernando Pessoa.

Porque eu sou do tamanho do que vejo - Fernando Pessoa.

Porque eu sou do tamanho do que vejo E não do tamanho da minha altura. Bernardo Soares - Heterônimo de Fernando Pessoa.

Tabacaria - Fernando Pessoa.

Tabacaria Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada.  À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.  Janelas do meu quarto,  Do meu quarto de um dos milhões do mundo.  que ninguém sabe quem é  ( E se soubessem quem é, o que saberiam?),  Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,  Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,  Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,  Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,  Com a morte a por umidade nas paredes  e cabelos brancos nos homens,  Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.  Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.  Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,  E não tivesse mais irmandade com as coisas  Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua  A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada  De dentro da minha cabeça,  E uma sacudidela

Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio - Fernando Pessoa.

Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio. Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos  Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.  (Enlacemos as mãos).  Depois pensemos, crianças adultas, que a vida  Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,  Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,  Mais longe que os deuses.  Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.  Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.  Mais vale saber passar silenciosamente  E sem desassossegos grandes.  Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,  Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,  Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,  E sempre iria ter ao mar.  Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,  Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e caricias,  Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro  Ouvindo correr o rio e vendo-o.  Colhamos flores, pega tu nelas e deixa

Feliz quem não exige da vida mais do que ela espontaneamente lhe dá - Fernando Pessoa.

Feliz quem não exige da vida mais do que ela espontaneamente lhe dá, guiando-se pelo instinto dos gatos, que buscam o sol quando há sol, o calor onde quer que esteja. Fernando Pessoa.

O pastor amoroso - Fernando Pessoa.

Está alta no céu a lua e é primavera.  Penso em ti e dentro de mim estou completo. Corre pelos vagos campos até mim uma brisa ligeira.  Penso em ti, murmuro o teu nome; não sou eu: sou feliz. Amanhã virás, andarás comigo a colher flores pelos campos,  E eu andarei contigo pelos campos a ver-te colher flores.  Eu já te vejo amanhã a colher flores comigo pelos campos,  Mas quando vieres amanhã e andares comigo realmente a colher flores, Isso será uma alegria e uma novidade para mim.  Alberto Caeiro. In: O pastor amoroso. 

O Meu Olhar - Fernando Pessoa.

O Meu Olhar O meu olhar é nítido como um girassol.  Tenho o costume de andar pelas estradas Olhando para a direita e para a esquerda,  E de, vez em quando olhando para trás...  E o que vejo a cada momento  É aquilo que nunca antes eu tinha visto,  E eu sei dar por isso muito bem...  Sei ter o pasmo essencial  Que tem uma criança se, ao nascer,  Reparasse que nascera deveras...  Sinto-me nascido a cada momento  Para a eterna novidade do Mundo...  Creio no mundo como num malmequer,  Porque o vejo.Mas não penso nele  Porque pensar é não compreender ...  O Mundo não se fez para pensarmos nele  (Pensar é estar doente dos olhos)  Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...  Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...  Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,  Mas porque a amo, e amo-a por isso,  Porque quem ama nunca sabe o que ama  Nem sabe por que ama, nem o que é amar ...  Amar é a eterna inocência,  E a única inocência

Estás só Ninguém o sabe - Fernando Pessoa.

Estás só Ninguém o sabe Estás só. Ninguém o sabe. Cala e finge.  Mas finge sem fingimento.  Nada esperes que em ti já não exista,  Cada um consigo é triste.  Tens sol se há sol, ramos se ramos buscas,  Sorte se a sorte é dada.  Ricardo Reis - Heterônimo de Fernando Pessoa.

Divido o que conheço - Fernando Pessoa.

Divido o que conheço. De um lado é o que sou Do outro quanto esqueço. Por entre os dois eu vou.  Não sou nem quem me lembro  Nem sou quem há em mim.  Se penso me desmembro.  Se creio, não há fim.  Que melhor que isto tudo  É ouvir, na ramagem  Aquele ar certo e mudo  Que estremece a folhagem.  Fernando Pessoa.

Fúria nas trevas o vento - Fernando Pessoa.

Fúria nas trevas o vento Num grande som de alongar Não há no meu pensamento Senão não poder parar.  Parece que a alma tem  Treva onde sopre a crescer  Uma loucura que vem  De querer compreender.  Raiva nas trevas o vento  Sem se poder libertar.  Estou preso ao meu pensamento  Como o vento preso ao ar.  Fernando Pessoa.

Tu, e teus beijos, e a alegria? Tudo isto é, e não pode ser. - Fernando Pessoa.

Não creio ainda no que sinto - Teus beijos, meu amor, que são A aurora ao fundo do recinto Do meu sentido coração...  Não creio ainda nessa boca  Que, por tua alma em beijos dada,  Na minha boca estaca e toca  E ali (...) fica parada.  Não creio ainda. Poderia  Acaso a mim acontecer  Tu, e teus beijos, e a alegria?  Tudo isto é, e não pode ser.  Fernando Pessoa.

Ah, quanta vez, na hora suave - Fernando Pessoa.

Ah, quanta vez, na hora suave Em que me esqueço, Vejo passar um voo de ave E me entristeço!  Porque é ligeiro, leve, certo  No ar de amavio?  Porque vai sob o céu aberto  Sem um desvio?  Porque ter asas simboliza  A liberdade  Que a vida nega e a alma precisa?  Sei que me invade  Um horror de me ter que cobre  Como uma cheia  Meu coração, e entorna sobre  Minha alma alheia  Um desejo, não de ser ave,  Mas de poder  Ter não sei quê do voo suave  Dentro em meu ser.  Fernando Pessoa.

Não: devagar - Fernando Pessoa.

Não: devagar. Devagar, porque não sei Onde quero ir. Há entre mim e os meus passos  Uma divergência instintiva.  Há entre quem sou e estou  Uma diferença de verbo  Que corresponde à realidade.  Devagar...  Sim, devagar...  Quero pensar no que quer dizer  Este devagar...  Talvez o mundo exterior tenha pressa demais.  Talvez a alma vulgar queira chegar mais cedo.  TaIvez a impressão dos momentos seja muito próxima...  Talvez isso tudo...  Mas o que me preocupa é esta palavra devagar...  O que é que tem que ser devagar?  Se calhar é o universo...  A verdade manda Deus que se diga.  Mas ouviu alguém isso a Deus?  Álvaro de Campos - Heterônimo de Fernando Pessoa.

Tu, místico, vês uma significação em todas as cousas - Fernando Pessoa.

Tu, místico, vês uma significação em todas as cousas.  Para ti tudo tem um sentido velado.  Há uma cousa oculta em cada cousa que vês.  O que vês, vê-lo sempre para veres outra cousa. Para mim, graças a ter olhos só para ver,  Eu vejo ausência de significação em todas as cousas;  Vejo-o e amo-me, porque ser uma cousa é não significar nada.  Ser uma cousa é não ser susceptível de interpretação.  Alberto Caeiro - Heterônimo de Fernando Pessoa.

Tenho em mim como uma bruma - Fernando Pessoa.

Tenho em mim como uma bruma Que nada é nem contém A saudade de coisa nenhuma, O desejo de qualquer bem.  Sou envolvido por ela  Como por um nevoeiro  E vejo luzir a última estrela  Por cima da ponta do meu cinzeiro.  Fumei a vida. Que incerto  Tudo quanto vi ou li!  E todo o mundo é um grande livro aberto  Que em ignorada língua me sorri.  Fernando Pessoa.

Quem me dera que eu fosse o pó da estrada - Fernando Pessoa.

Quem me dera que eu fosse o pó da estrada E que os pés dos pobres me estivessem pisando...  Quem me dera que eu fosse os rios que correm  E que as lavadeiras estivessem à minha beira...  Quem me dera que eu fosse os choupos à margem do rio  E tivesse só o céu por cima e a água por baixo...  Quem me dera que eu fosse o burro do moleiro  E que ele me batesse e me estimasse...  Antes isso que ser o que atravessa a vida  Olhando para trás de si e tendo pena...  Alberto Caeiro - Heterônimo de Fernando Pessoa.