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Mostrando postagens de 2017

Somos assim. Sonhamos o voo - Rubem Alves.

"Somos assim. Sonhamos o voo, mas tememos as alturas. Para voar é preciso amar o vazio. Porque o voo só acontece se houver o vazio. O vazio é o espaço da liberdade, a ausência de certezas. Os homens querem voar, mas temem o vazio. Não podem viver sem certezas. Por isso trocam o voo por gaiolas. As gaiolas são o lugar onde as certezas moram. É um engano pensar que os homens seriam livres se pudessem, que eles não são livres porque um estranho os engaiolou, que se as portas das gaiolas estivessem abertas eles voariam. A verdade é o oposto. Os homens preferem as gaiolas ao voo. São eles mesmos que constroem as gaiolas onde passarão as suas vidas." Rubem Alves.

Céu - Rubem Alves.

Eu acho que há muitos céus, um céu para cada um. O meu céu não é igual ao seu. Porque céu é o lugar de reencontro com as coisas que a gente ama e o tempo nos roubou. No céu está guardado tudo aquilo que a memória amou. Rubem Alves.

Carpe Diem - Rubem Alves.

Carpe Diem quer dizer ¨colha o dia¨. Colha o dia como se fosse um fruto maduro que amanhã estará podre.  A vida não pode ser economizada para amanhã. Acontece sempre no presente. Rubem Alves.

Alta Tensão - Bruna Lombardi.

Alta Tensão  Eu gosto dos venenos mais lentos dos cafés mais amargos  das bebidas mais fortes  e tenho  apetites vorazes  uns rapazes  que vejo  passar  eu sonho  os delírios mais soltos  e os gestos mais loucos  que há  e sinto  uns desejos vulgares  navegar por uns mares  de lá  você pode me empurrar pro precipício  não me importo com isso  eu adoro voar.  Bruna Lombardi.

Ponta de punhal - Bruna Lombardi.

Ponta de punhal Quero tudo que é estilete faca, lâmina, metal tudo que espete, fira, brilhe  faça mal.  Quero tudo que golpeia  o que sabe ser cruel  o que vê perspícuo e melhor  as almas quando odeia.  quero o corte exato e preciso  pra arrancar do centro, do cerne  do fundo da carne  a minha indignação  quero gritar, uivar, mudar o mundo  e gerar e acumular e destilar veneno  de dentro do coração.  Bruna Lombardi.

O que é, o que é - Gonzaguinha.

Eu fico com a pureza das respostas das crianças: É a vida! É bonita e é bonita! Viver e não ter a vergonha de ser feliz, Cantar,  A beleza de ser um eterno aprendiz  Eu sei  Que a vida devia ser bem melhor e será,  Mas isso não impede que eu repita:  É bonita, é bonita e é bonita!  E a vida? E a vida o que é, diga lá, meu irmão?  Ela é a batida de um coração?  Ela é uma doce ilusão?  Mas e a vida? Ela é maravilha ou é sofrimento?  Ela é alegria ou lamento?  O que é? O que é, meu irmão?  Há quem fale que a vida da gente é um nada no mundo,  É uma gota, é um tempo  Que nem dá um segundo,  Há quem fale que é um divino mistério profundo,  É o sopro do criador numa atitude repleta de amor.  Você diz que é luta e prazer,  Ele diz que a vida é viver,  Ela diz que melhor é morrer  Pois amada não é, e o verbo é sofrer.  Eu só sei que confio na moça  E na moça eu ponho a força da fé,  Somos nós que fazemos a vida  Como der, ou puder, ou

As rosas não falam - Cartola.

As rosas não falam Bate outra vez Com esperanças o meu coração Pois já vai terminando o verão Enfim Volto ao jardim Com a certeza que devo chorar Pois bem sei que não queres voltar Para mim Queixo-me às rosas Mas que bobagem As rosas não falam Simplesmente as rosas exalam O perfume que roubam de ti, ai Devias vir Para ver os meus olhos tristonhos E, quem sabe, sonhavas meus sonhos Por fim Cartola.

Metade - Oswaldo Montenegro.

Metade Que a força do medo que tenho Não me impeça de ver o que anseio; Que a morte de tudo em que acredito  Não me tape os ouvidos e a boca;  Porque metade de mim é o que eu grito,  Mas a outra metade é silêncio...  Que a música que eu ouço ao longe  Seja linda, ainda que tristeza;  Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada  Mesmo que distante;  Porque metade de mim é partida  Mas a outra metade é saudade...  Que as palavras que eu falo  Não sejam ouvidas como prece  E nem repetidas com fervor,  Apenas respeitadas como a única coisa que resta  A um homem inundado de sentimentos;  Porque metade de mim é o que ouço  Mas a outra metade é o que calo...  Que essa minha vontade de ir embora  Se transforme na calma e na paz que eu mereço;  E que essa tensão que me corrói por dentro  Seja um dia recompensada;  Porque metade de mim é o que penso  Mas a outra metade é um vulcão...  Que o medo da solidão se afaste  E que o conv

Drão - Gilberto Gil.

Drão! O amor da gente É como um grão Uma semente de ilusão Tem que morrer pra germinar Plantar nalgum lugar Ressuscitar no chão Nossa semeadura Quem poderá fazer Aquele amor morrer Nossa caminhadura Dura caminhada Pela noite escura... Drão! Não pense na separação Não despedace o coração O verdadeiro amor é vão Estende-se infinito Imenso monolito Nossa arquitetura Quem poderá fazer Aquele amor morrer Nossa caminhadura Cama de tatame Pela vida afora Drão! Os meninos são todos sãos Os pecados são todos meus Deus sabe a minha confissão Não há o que perdoar Por isso mesmo é que há de haver mais compaixão Quem poderá fazer Aquele amor morrer Se o amor é como um grão Morre, nasce trigo Vive, morre pão Drão! Gilberto Gil - Drão .

Felicidade - Vicente de Carvalho.

Felicidade Só a leve esperança, em toda a vida, Disfarça a pena de viver, mais nada: Nem é mais a existência, resumida, Que uma grande esperança malograda. O eterno sonho da alma desterrada, Sonho que a traz ansiosa e embevecida, É uma hora feliz, sempre adiada E que não chega nunca em toda a vida. Essa felicidade que supomos, Árvore milagrosa, que sonhamos Toda arreada de dourados pomos, Existe, sim : mas nós não a alcançamos Porque está sempre apenas onde a pomos E nunca a pomos onde nós estamos. Vicente de Carvalho.

Aprende – lê nos olhos - Bertolt Brecht.

Aprende – lê nos olhos, lê nos olhos – aprende a ler jornais, aprende: a verdade pensa com tua cabeça; Confere tudo. Faça perguntas sem medo não te convenças sozinho mas vejas com teus olhos. Se não descobriu por si na verdade não descobriu. Afinal você faz parte de tudo, também vai no barco, vai pegar no leme um dia. Aponte o dedo, pergunta que é isso? Como foi parar aí? Por que? Você faz parte de tudo. Aprende, não perde nada das discussões, do silêncio. Esteja sempre aprendendo por nós e por você. Você não será ouvinte diante da discussão, não será cogumelo de sombras e bastidores, não será cenário para nossa ação. Bertolt Brecht.

A injustiça avança hoje a passo firme - Bertolt Brecht.

A injustiça avança hoje a passo firme  Os tiranos fazem planos para dez mil anos  O poder apregoa: as coisas continuarão a ser como são  Nenhuma voz além da dos que mandam  E em todos os mercados proclama a exploração;  isto é apenas o mau começo  Mas entre os oprimidos muitos há que agora dizem  Aquilo que nós queremos nunca mais o alcançaremos!  Quem ainda está vivo não diga: nunca!  O que é seguro não é seguro.  As coisas não continuarão a ser como são.  Depois de falarem os dominantes  Falarão os dominados  Quem pois ousa dizer: nunca?  De quem depende que a opressão prossiga? De nós.  De quem depende que ela acabe? Também de nós.  O que é esmagado que se levante!  O que está perdido, lute!  O que sabe ao que se chegou, que há aí algo que o retenha, liberte-se!  E nunca será: ainda hoje.  Porque os vencidos de hoje são os vencedores de amanhã.  Bertolt Brecht.

Eu vivo em tempos sombrios - Bertolt Brecht.

Eu vivo em tempos sombrios.  Uma linguagem sem malícia é sinal de  estupidez,  uma testa sem rugas é sinal de indiferença.  Aquele que ainda ri é porque ainda não  recebeu a terrível notícia.  Que tempos são esses, quando  falar sobre flores é quase um crime.  Pois significa silenciar sobre tanta injustiça?  Aquele que cruza tranqüilamente a rua  já está então inacessível aos amigos  que se encontram necessitados?  É verdade: eu ainda ganho o bastante para viver.  Mas acreditem: é por acaso. Nada do que eu faço  Dá-me o direito de comer quando eu tenho fome.  Por acaso estou sendo poupado.  (Se a minha sorte me deixa estou perdido!)  Dizem-me: come e bebe!  Fica feliz por teres o que tens!  Mas como é que posso comer e beber,  se a comida que eu como, eu tiro de quem tem fome?  se o copo de água que eu bebo, faz falta a  quem tem sede?  Mas apesar disso, eu continuo comendo e bebendo.  Bertolt Brecht.

Nós vos pedimos com insistência - Bertolt Brecht.

Nós vos pedimos com insistência: Nunca digam - Isso é natural! Diante dos acontecimentos de cada dia, Numa época em que corre o sangue Em que o arbitrário tem força de lei, Em que a humanidade se desumaniza Não digam nunca: Isso é natural A fim de que nada passe por imutável. Bertolt Brecht.

Dificuldade de governar - Bertolt Brech.

Todos os dias os ministros dizem ao povo  Como é difícil governar. Sem os ministros  O trigo cresceria para baixo em vez de crescer para cima.  Nem um pedaço de carvão sairia das minas  Se o chanceler não fosse tão inteligente. Sem o ministro da Propaganda  Mais nenhuma mulher poderia ficar grávida. Sem o ministro da Guerra  Nunca mais haveria guerra. E atrever-se ia a nascer o sol  Sem a autorização do Führer?  Não é nada provável e se o fosse  Ele nasceria por certo fora do lugar. E também difícil, ao que nos é dito,  Dirigir uma fábrica. Sem o patrão  As paredes cairiam e as máquinas encher-se-iam de ferrugem.  Se algures fizessem um arado  Ele nunca chegaria ao campo sem  As palavras avisadas do industrial aos camponeses: quem,  De outro modo, poderia falar-lhes na existência de arados? E que  Seria da propriedade rural sem o proprietário rural?  Não há dúvida nenhuma que se semearia centeio onde já havia batatas. Se governar fosse

O Vosso tanque General, é um carro forte - Bertolt Brecht.

O Vosso tanque General, é um carro forte Derruba uma floresta esmaga cem Homens, Mas tem um defeito - Precisa de um motorista O vosso bombardeiro, general É poderoso: Voa mais depressa que a tempestade E transporta mais carga que um elefante Mas tem um defeito - Precisa de um piloto. O homem, meu general, é muito útil: Sabe voar, e sabe matar Mas tem um defeito - Sabe pensar Bertolt Brecht.

Ah! Desgraçados! - Bertolt Brecht.

Ah! Desgraçados! Um irmão é maltratado e vocês olham para o outro lado? Grita de dor o ferido e vocês ficam calados? A violência faz a ronda e escolhe a vítima, e vocês dizem: "a mim ela está poupando, vamos fingir que não estamos olhando". Mas que cidade? Que espécie de gente é essa? Quando campeia em uma cidade a injustiça, é necessário que alguem se levante. Não havendo quem se levante, é preferível que em um grande incêndio, toda cidade desapareça, antes que a noite desça. é necessário que alguém se levante. Bertolt Brecht.

Nada é impossível de mudar - Bertolt Brecht.

Nada é impossível de mudar Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.  E examinai, sobretudo, o que parece habitual.  Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar. Bertolt Brecht.

Prazeres - Bertolt Brecht.

O primeiro olhar da janela de manhã  O velho livro de novo encontrado  Rostos animados  Neve, o mudar das estações  O jornal  O cão  A dialéctica  Tomar duche, nadar  Velha música  Sapatos cômodos  Compreender  Música nova  Escrever, plantar  Viajar, cantar  Ser amável.  Bertolt Brecht.

A dúvida - Bertolt Brecht.

De todas as coisas seguras a mais segura é a dúvida. Bertolt Brecht.

Os Esperançosos - Bertolt Brecht.

Pelo que esperam? Que os surdos se deixem convencer E que os insaciáveis Lhes devolvam algo? Os lobos os alimentarão, em vez de devorá-los! Por amizade Os tigres convidarão  A lhes arrancarem os dentes! É por isso que esperam! Os Esperançosos - Bertolt Brecht.

A arte de viver - Bertolt Brecht.

Todas as artes contribuem para a maior de todas as artes, a arte de viver. Bertolt Brecht.

Aquele(a) que amo disse-me que precisa de mim - Bertold Brecht.

Aquele(a) que amo Disse-me Que precisa de mim. Por isso  Cuido de mim  Olho meu caminho  E receio ser morta  Por uma só gota de chuva.  Bertold Brecht.

Não te apaixones por uma mulher que lê - Martha Rivera Garrido.

Não te apaixones por uma mulher que lê, por uma mulher que tem sentimentos, por uma mulher que escreve... Não te apaixones por uma mulher culta, maga, delirante, louca. Não te apaixones por uma mulher que pensa, que sabe o que sabe e também sabe voar, uma mulher confiante em si mesma.  Não te apaixones por uma mulher que ri ou chora quando faz amor, que sabe transformar a carne em espírito; e muito menos te apaixones por uma mulher que ama poesia (estas são as mais perigosas), ou que fica meia hora contemplando uma pintura e não é capaz de viver sem música .  Não te apaixones por uma mulher que está interessada em política, que é rebelde e sente um enorme horror pelas injustiças. Não te apaixones por uma mulher que não gosta de assistir televisão. Nem de uma mulher que é bonita, mas, que não se importa com as características de seu rosto e de seu corpo.  Não te apaixones por uma mulher intensa, brincalhona, lúcida e irreverente. Não queiras te apaixonar por uma mulher

Uma Arte - Elizabeth Bishop.

Uma Arte A arte de perder não é nenhum mistério;  Tantas coisas contêm em si o acidente De perdê-las, que perder não é nada sério. Perca um pouquinho a cada dia.  Aceite, austero, A chave perdida, a hora gasta bestamente.  A arte de perder não é nenhum mistério.  Depois perca mais rápido, com mais critério:  Lugares, nomes, a escala subseqüente Da viagem não feita.  Nada disso é sério.  Perdi o relógio de mamãe.  Ah! E nem quero Lembrar a perda de três casas excelentes.  A arte de perder não é nenhum mistério.  Perdi duas cidades lindas.  E um império Que era meu, dois rios, e mais um continente.  Tenho saudade deles.  Mas não é nada sério.  – Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo que eu amo) não muda nada.  Pois é evidente que a arte de perder não chega a ser mistério por muito que pareça (Escreve!) muito sério.  Elizabeth Bishop.

Elizabeth Bishop no filme Flores Raras.

Porque quando eu não tenho o que quero, eu me sinto sozinha e triste e quando eu tenho o que quero, eu tenho a certeza que vou perder  e a espera é insuportável.  Elizabeth Bishop no filme Flores Raras.

Tudo passa - Florbela Espanca.

"Não há dores eternas, e é da nossa miserável condição não poder deter nada que o tempo leva, que o tempo destrói: nem as dores mais nobres, nem as maiores." Florbela Espanca.

São mortos os que nunca acreditaram - Florbela Espanca.

São mortos os que nunca acreditaram  Que esta vida é somente uma passagem,  Um atalho sombrio, uma paisagem  Onde os nossos sentidos se poisaram.  São mortos os que nunca alevantaram  Dentre escombros a Torre de Menagem  Dos seus sonhos de orgulho e de coragem,  E os que não riram e os que não choraram.  Que Deus faça de mim, quando eu morrer,  Quando eu partir para o País da Luz,  A sombra calma dum entardecer,  Tombando, em doces pregas de mortalha,  Sobre o teu corpo heróico, posto em cruz,  Na solidão dum campo de batalha!  Florbela Espanca.

Se gostas de mim - Florbela Espanca.

"Se gostas de mim terás que sofrer com os meus pobres nervos de sensitiva em que as mãos mais delicadas não podem tocar sem fazer estremecer. Sou duma sensibilidade excessiva, aguda, profundíssima."  Florbela Espanca.

Mentiras - Florbela Espanca.

Mentiras Tu julgas que eu não sei que tu me mentes Quando o teu doce olhar poisa no meu? Pois julgas que eu não sei o que tu sentes?  Qual a imagem que alberga o peito teu?  Ai, se o sei, meu amor! Eu bem distingo  O bom sonho da feroz realidade...  Não palpita d'amor, um coração  Que anda vogando em ondas de saudade!  Embora mintas bem, não te acredito;  Perpassa nos teus olhos desleais,  O gelo do teu peito de granito...  Mas finjo-me enganada, meu encanto,  Que um engano feliz vale bem mais  Que um desengano que nos custa tanto!  Florbela Espanca.

Os meus Versos - Florbela Espanca.

Os meus Versos Rasga esses versos que eu te fiz, Amor! Deita-os ao nada, ao pó ao esquecimento, Que a cinza os cubra, que os arraste o vento,  Que a tempestade os leve aonde for!  Rasga-os na mente, se os souberes de cor,  Que volte ao nada o nada dum momento.  Julguei-me grande pelo sentimento,  E pelo orgulho ainda sou maior!...  Tanto verso já disse o que eu sonhei!  Tantos penaram já o que eu penei!  Asas que passam, todo o mundo as sente...  Rasga os meus versos... Pobre endoidecida!  Como se um grande amor cá nesta vida  Não fosse o mesmo amor de toda a gente!...  Florbela Espanca.

Ser poeta - Florbela Espanca.

Ser poeta Ser poeta é ser mais alto, é ser maior Do que os homens! Morder como quem beija! É ser mendigo e dar como quem seja  Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!  É ter de mil desejos o esplendor  E não saber sequer que se deseja!  É ter cá dentro um astro que flameja,  É ter garras e asas de condor!  É ter fome, é ter sede de Infinito!  Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...  É condensar o mundo num só grito!  E é amar-te, assim, perdidamente...  É seres alma, e sangue, e vida em mim  E dizê-lo cantando a toda a gente!  Florbela Espanca.

Nenhuma queda é em vão - Vinicius de Moraes.

Nenhuma queda é em vão, nenhuma dor o consome sem lhe ensinar algo; aceite as circunstância. Nada em sua vida acontece em vão, aceite a lição. Por trás de cada adversidade encontra-se um fragmento para a sua evolução. Vinicius de Moraes.

Poema Enjoadinho - Vinicius de Moraes.

Poema Enjoadinho Filhos... Filhos? Melhor não tê-los! Mas se não os temos Como sabê-los? Se não os temos Que de consulta Quanto silêncio Como os queremos! Banho de mar Diz que é um porrete... Cônjuge voa Transpõe o espaço Engole água Fica salgada Se iodifica Depois, que boa Que morenaço Que a esposa fica! Resultado: filho. E então começa A aporrinhação: Cocô está branco Cocô está preto Bebe amoníaco Comeu botão. Filhos? Filhos Melhor não tê-los Noites de insônia Cãs prematuras Prantos convulsos Meu Deus, salvai-o! Filhos são o demo Melhor não tê-los... Mas se não os temos Como sabê-los? Como saber Que macieza Nos seus cabelos Que cheiro morno Na sua carne Que gosto doce Na sua boca! Chupam gilete Bebem xampu Ateiam fogo No quarteirão Porém, que coisa Que coisa louca Que coisa linda Que os filhos são! Vinicius de Moraes.

Soneto do amigo - Vinicius de Moraes.

Soneto do amigo Enfim, depois de tanto erro passado  Tantas retaliações, tanto perigo  Eis que ressurge noutro o velho amigo  Nunca perdido, sempre reencontrado. É bom sentá-lo novamente ao lado  Com olhos que contêm o olhar antigo  Sempre comigo um pouco atribulado  E como sempre singular comigo. Um bicho igual a mim, simples e humano  Sabendo se mover e comover  E a disfarçar com o meu próprio engano. O amigo: um ser que a vida não explica Que só se vai ao ver outro nascer E o espelho de minha alma multiplica... Vinicius de Moraes.

O Incriado - Vinicius de Moraes.

O Incriado Ai, muito andei e em vão... rios enganosos conduziram meu corpo a todas as idades  Na terra primeira ninguém conhecia o Senhor das bem-aventuranças...  Quando meu corpo precisou repousar eu repousei, quando minha boca ficou sedenta eu bebi  Quando meu ser pediu a carne eu dei-lhe a carne mas eu me senti mendigo. Vinicius de Moraes.

Anfiguri - Vinicius de Moraes.

Anfiguri Aquilo que eu ouso Não é o que quero Eu quero o repouso Do que não espero. Não quero o que tenho Pelo que custou Não sei de onde venho Sei para onde vou. Homem, sou a fera Poeta, sou um louco Amante, sou pai. Vida, quem me dera… Amor, dura pouco… Poesia, ai!… Vinicius de Moraes.

Ausência - Vinicius de Moraes.

Ausência Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto. No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz. Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado. Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado. Eu ficar

Tomara - Vinicius De Moraes.

"Tomara  Que a tristeza te convença Que a saudade não compensa E que a ausência não dá paz E o verdadeiro amor de quem se ama Tece a mesma antiga trama Que não se desfaz."  Vinicius De Moraes.

Como dizia o poeta - Vinicius de Moraes e Toquinho.

Como dizia o poeta Quem já passou  Por esta vida e não viveu  Pode ser mais, mas sabe menos do que eu  Porque a vida só se dá  Pra quem se deu  Pra quem amou, pra quem chorou  Pra quem sofreu, ai  Quem nunca curtiu uma paixão  Nunca vai ter nada, não  Não há mal pior  Do que a descrença  Mesmo o amor que não compensa  É melhor que a solidão  Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair  Pra que somar se a gente pode dividir?  Eu francamente já não quero nem saber  De quem não vai porque tem medo de sofrer  Ai de quem não rasga o coração  Esse não vai ter perdão  Vinicius de Moraes e Toquinho.

Soneto a quatro-mãos - Vinicius de Moraes.

Soneto a quatro-mãos Tudo de amor que existe em mim foi dado Tudo que fala em mim de amor foi dito Do nada em mim o amor fez o infinito Que por muito tornou-me escravizado.  Tão pródigo de amor fiquei coitado Tão fácil para amar fiquei proscrito Cada voto que fiz ergueu-se em grito Contra o meu próprio dar demasiado.  Tenho dado de amor mais que coubesse Nesse meu pobre coração humano Desse eterno amor meu antes não desse.  Pois se por tanto dar me fiz engano Melhor fora que desse e recebesse Para viver da vida o amor sem dano. Vinicius de Moraes.

Soneto do Corifeu - Vinicius de Moraes.

Soneto do Corifeu São demais os perigos desta vida Para quem tem paixão, principalmente Quando uma lua surge de repente E se deixa no céu, como esquecida. E se ao luar que atua desvairado Vem se unir uma música qualquer Aí então é preciso ter cuidado Porque deve andar perto uma mulher. Deve andar perto uma mulher que é feita De música, luar e sentimento E que a vida não quer, de tão perfeita. Uma mulher que é como a própria Lua: Tão linda que só espalha sofrimento Tão cheia de pudor que vive nua. Vinicius de Moraes.

Poética - Vinicius de Moraes.

Poética De manhã escureço De dia tardo De tarde anoiteço De noite ardo. A oeste a morte Contra quem vivo Do sul cativo O este é meu norte. Outros que contem Passo por passo: Eu morro ontem Nasço amanhã Ando onde há espaço: – Meu tempo é quando. Vinicius de Moraes.

Soneto de Devoção - Vinicius de Moraes.

Soneto de Devoção Essa mulher que se arremessa, fria E lúbrica aos meus braços, e nos seios Me arrebata e me beija e balbucia Versos, votos de amor e nomes feios. Essa mulher, flor de melancolia Que se ri dos meus pálidos receios A única entre todas a quem dei Os carinhos que nunca a outra daria. Essa mulher que a cada amor proclama A miséria e a grandeza de quem ama E guarda a marca dos meus dentes nela. Essa mulher é um mundo! — uma cadela Talvez… — mas na moldura de uma cama Nunca mulher nenhuma foi tão bela! Vinicius de Moraes.

Soneto de Separação - Vinicius de Moraes.

Soneto de Separação De repente do riso fez-se o pranto  Silencioso e branco como a bruma  E das bocas unidas fez-se a espuma  E das mãos espalmadas fez-se o espanto.  De repente da calma fez-se o vento  Que dos olhos desfez a última chama  E da paixão fez-se o pressentimento  E do momento imóvel fez-se o drama.  De repente, não mais que de repente  Fez-se de triste o que se fez amante  E de sozinho o que se fez contente.  Fez-se do amigo próximo o distante  Fez-se da vida uma aventura errante  De repente, não mais que de repente.  Vinicius de Moraes.

Soneto de Fidelidade - Vinicius de Moraes.

Soneto de Fidelidade De tudo, ao meu amor serei atento Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto Que mesmo em face do maior encanto  Dele se encante mais meu pensamento  Quero vivê-lo em cada vão momento  E em seu louvor hei de espalhar meu canto  E rir meu riso e derramar meu pranto  Ao seu pesar ou seu contentamento  E assim quando mais tarde me procure  Quem sabe a morte, angústia de quem vive  Quem sabe a solidão, fim de quem ama  Eu possa me dizer do amor (que tive):  Que não seja imortal, posto que é chama  Mas que seja infinito enquanto dure.  Vinicius de Moraes.

Soneto do amor total - Vinicius de Moraes.

Soneto do amor total Amo-te tanto, meu amor... não cante O humano coração com mais verdade... Amo-te como amigo e como amante Numa sempre diversa realidade Amo-te afim, de um calmo amor prestante E te amo além, presente na saudade Amo-te, enfim, com grande liberdade Dentro da eternidade e a cada instante Amo-te como um bicho, simplesmente De um amor sem mistério e sem virtude Com um desejo maciço e permanente E de te amar assim, muito e amiúde É que um dia em teu corpo de repente Hei de morrer de amar mais do que pude. Vinicius de Moraes.

Soneto de Aniversário - Vinicius de Moraes.

Soneto de Aniversário Passem-se dias, horas, meses, anos Amadureçam as ilusões da vida Prossiga ela sempre dividida  Entre compensações e desenganos.  Faça-se a carne mais envilecida  Diminuam os bens, cresçam os danos  Vença o ideal de andar caminhos planos  Melhor que levar tudo de vencida.  Queira-se antes ventura que aventura  À medida que a têmpora embranquece  E fica tenra a fibra que era dura.  E eu te direi: amiga minha, esquece...  Que grande é este amor meu de criatura  Que vê envelhecer e não envelhece.  Vinicius de Moraes.

Registro - Ferreira Gullar.

Registro À janela de meu apartamento à rua Duvivier 49 (sistema solar, planeta Terra, Via Láctea) limpo as unhas da mão por volta das quatro e quarenta da tarde do dia 2 de dezembro de 2008 enquanto na galáxia M 31 a 2 milhões e 200 mil anos-luz de distância extingue-se uma estrela. Ferreira Gullar.

Dois e Dois são Quatro - Ferreira Gullar.

Como dois e dois são quatro  Sei que a vida vale a pena  Embora o pão seja caro  E a liberdade pequena  Como teus olhos são claros  E a tua pele, morena  como é azul o oceano  E a lagoa, serena  Como um tempo de alegria  Por trás do terror me acena  E a noite carrega o dia  No seu colo de açucena  - sei que dois e dois são quatro  sei que a vida vale a pena  mesmo que o pão seja caro  e a liberdade pequena.  Ferreira Gullar.

Adestrei-me com o vento - Cecília Meireles.

Adestrei-me com o vento e minha festa é a tempestade. Cecília Meireles.

Eu canto porque o instante existe - Cecília Meireles.

Eu canto porque o instante existe  e a minha vida está completa. Não sou alegre nem sou triste: sou poeta. Irmão das coisas fugidias,  não sinto gozo nem tormento. Atravesso noites e dias no vento. Se desmorono ou se edifico,  se permaneço ou me desfaço,  - não sei, não sei. Não sei se fico ou passo. Sei que canto. E a canção é tudo. Tem sangue eterno a asa ritmada. E um dia sei que estarei mudo: - mais nada. Cecília Meireles.

E então serás eterno. - Cecília Meireles.

Tu tens um medo: Acabar.  Não vês que acabas todo o dia.  Que morres no amor.  Na tristeza.  Na dúvida.  No desejo.  Que te renovas todo o dia.  No amor.  Na tristeza.  Na dúvida.  No desejo.  Que és sempre outro.  Que és sempre o mesmo.  Que morrerás por idades imensas.  Até não teres medo de morrer.  E então serás eterno.  Cecília Meireles.