Trechos do Poema Hora absurda - Fernando Pessoa.


Trechos do Poema Hora absurda
O teu silencio é uma nau com todas as velas pandas...
Brandas, as brisas brincam nas flamulas, teu sorriso...
E o teu sorriso no teu silencio é as escadas e as andas
Com que me finjo mais alto e ao pé de qualquer paraíso...
Meu coração é uma ânfora que cai e que se parte...
O teu silencio recolhe-o e guarda-o, partido, a um canto...
Minha idéia de ti é um cadáver que o mar traz a praia... e entanto
Tu és a tela irreal em que erro em cor a minha arte...
Todas as minhas horas são feitas de jaspe negro,
Minhas ânsias todas trabalhadas num mármore que não há.
Não é alegria nem dor esta dor com que me alegro,
E a minha bondade inversa não é nem boa nem má...
Porque me aflijo e me enfermo?... Deitam se nuas ao luar
Todas as ninfas... Veio o sol e já tinham partido...
O teu silencio que me embala é a idéia de naufragar,
E a idéia de tua voz soar a lira dum Apolo Fingido...
Já não há caudas de pavões todas olhos no jardim de outrora...
Minha alma é uma lampada que se apagou e ainda está quente...
Da última janela do castelo só um girassol
Sermos e não sermos mais!...Ó leões nascidos na jaula!...
E eu deliro... De repente pauso no que penso... Fito-te
E o teu silencio é uma cegueira minha... Fito-te e sonho...
Há coisas rubras e cobras no modo como medito-te,
E a tua idéia sabe a lembrança de um sabor de medonho...
Para que não ter por ti desprezo? Porque não perde-lo?...
Ah, deixe que eu te ignore... O teu silencio é um leque
Um leque fechado. um leque que aberto seria tão belo, tão belo,
Más mais belo é não o abrir, para que a hora não peque...
Ah, o teu tédio é uma estátua de uma mulher que há de vir.
O teu sorriso, anjo exilado, e o teu tédio, auréola negra...
Ah, se fossemos duas figuras num longínquo vitral!...
O que é que me tortura?
Não sei... Eu sou um doido que estranha a sua própria alma...
Eu fui amado em efigie num país para além dos sonhos...

Fernando Pessoa.

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